Desde o século XIV a música se renova em sua forma de composição, em Paris com a Ars Nova, a música passou por uma inovação que significou uma mudança na escrita musical. Esta transformação consistiu na dissolução do paralelismo nas vozes; na mudança das notas longas para notas curtas; novas possibilidades de consonâncias; a afirmação do compasso binário em oposição ao o ternário; a estrutura rítmica das vozes passa a ser igual; etc. A música ocidental começa a tomar a forma que conhecemos hoje no séc. XVI com o Renascimento, isto porque as tendências renascentistas tinham como ideal o retorno à beleza da Grécia Antiga, passando a determinar características específicas como a clareza, o equilíbrio, dando forma a um padrão de composição. Assim, neste contexto surgiram academias de música e poesia, bem como ocorreu o nascimento da ópera. Este processo só aconteceu com a possibilidade da impressão das notas musicais, expandindo os limites da música. Os tons maiores e menores e os novos acordes e escalas são transformações às quais o ouvido humano se adapta, diferenciando-se da música estritamente religiosa. A polifonia que dominava a música até então, se valendo do método do contraponto, é levada ao ápice por Johann Sebastian Bach. Passa a ser necessária a substituição da polifonia pela monofonia, ou seja, a preferência pela música com uma só voz. Isto acontece porque as músicas da época eram saturadas de instrumentos e artifícios pomposos que prejudicavam a expressão musical. Além disso, a música grega era monofônica, o retorno ao clássico veio a suprir as necessidades de inovação da música do século XVII; vivendo entre estes dois momentos, Bach consegue articular-se entre os dois mundos. Considerado por muitos como o melhor músico da história, o compositor é o resultado de uma Alemanha pós-guerra que se dedicava à construção de um centro cultural. Não só na Alemanha, mas em outros países da Europa, especialmente Itália e França, a arte do contraponto havia sido trabalhada à exaustão, assim o compositor alemão valia-se do apuro técnico realizado ao longo de três séculos.
A música vai se transformando com o passar do tempo, o contraponto dá lugar ao império da harmonia, as formas se caracterizam como leis da tonalidade. A perfeição greco-romana almejada dá cada vez mais espaço para a subjetividade e é nesse plano que nasce o romantismo, que tem como principal expoente Ludwig Van Beethoven. O compositor alemão é fruto da modernidade impregnada pela enunciação do cogito cartesiano, e tem como principal influência os preceitos do iluminismo. A idéia de liberdade dominava sua existência; considerado excêntrico, era acima de tudo um compositor livre, ao contrário de muitas gerações de compositores que se subordinavam à Igreja. E esse preceito que leva a própria obra do autor: a liberdade caracterizada pelo rompimento constante e pela busca de novas soluções.
Beethoven é a verdadeira ponte entre o rococó musical, ao qual pertencem ainda visivelmente as suas primeiras obras, e o romantismo em que o novo conteúdo cria novas formas. Mas é ainda mais: não lhe pertence apenas o desenvolvimento da forma sinfônica, a inclusão da voz humana numa forma até então exclusivamente instrumental, a criação de uma nova técnica pianística, o aumento ou diminuição arbitrária das partes de uma forma, senão também a indicação do caminho para o abandono das leis básicas da música em vigor há centenas de anos. Os últimos quartetos para cordas, espécie de saudação de além túmulo, são, musicalmente falando, precursores do “Tristão” e do completo abandono da harmonia, melodia e ritmo, no século XX (PAHLEN, s.d. p. 118).
Como Bach, Beethoven encontra-se no limiar de duas vertentes artísticas, o classicismo e o romantismo. Provavelmente deve-se a esse fato a dificuldade com a qual ele compunha. Ao contrário de Mozart que compunha naturalmente, com uma incrível facilidade, sem mudar nenhuma nota depois de compor, e Schubert para quem o ato de composição era espontâneo como um sonho, Beethoven trabalhava arduamente em seu processo de composição, revisando e mudando cada parte de cada obra. Seu gênio advém de anos de história da música que culminava numa necessidade de mudança, como das forças sociais que davam senão o cenário para a transformação, um motivo para tanto . Pode-se observar essa relação de Beethoven com a história da música nas palavras de Adorno:
"A música tradicional devia encontrar-se nos limites de um número extremadamente limitado de combinações sonoras, especialmente no sentido vertical. Devia defender-se continuamente contra o específico, mediante constelações do universal, que, paradoxalmente, deviam apresentá-lo como idêntico ao irrepetível. Toda a obra de Beethoven é uma interpretação desse paradoxo" (ADORNO, 2009, p.48).
Beethoven compõe como um exercício de transformação, sua subjetividade precisava de novos meios, novas formas para que pudesse ser expressada de forma verdadeira, visto que as utilizadas até então já haviam se esgotado em possibilidades. A necessidade do trabalho árduo do compositor revela este fato, assim como as notáveis mudanças que a sua música representou dentro das formas musicais. Mudanças que representam o rompimento com as determinações específicas que limitam o espaço da expressão, buscando como desejo de liberdade “constelações do universal”, irrompendo um novo paradigma da arte. O paradoxo está justamente no fato de que através de padrões universais, ou seja, novos modelos de arte, se esteja buscando a singularidade. Este processo em Beethoven proporciona a abertura de espaço para a expressão do sujeito, o indivíduo que busca sua autonomia vislumbrando na sua capacidade racional alcançar a almejada liberdade, mas encontra nessa busca a solidão. O sofrimento e a solidão, acentuadas pela paradoxal surdez que ele sofre, mostram que através do sujeito se traduz uma época.
A herança de Beethoven, por certo, foi abrir as portas para o surgimento do atonalismo no século XX. No início do século, mais uma vez a música se encontrava num momento decisivo, pois estava saturada das mesmas fórmulas de composição que haviam se estabelecido hegemonicamente durante muitos anos, era preciso uma nova forma de expressão musical. Era necessário que a música se voltasse para formas mais expressivas que correspondessem com a época em que estavam inseridas. Para que fique clara a transformação realizada por Schoenberg é necessário compreender sucintamente alguns conceitos musicais
As transformações de Schoenberg se revelavam na feiúra e na busca de timbre, ritmo e harmonias inesperadas que rompiam com a fórmula tonal da música até então. Esta forma de composição buscava elementos no cromatismo , empregavam-se então duas formas de cromatismos:
Cromatismo orgânico, ou funcional: este é resultado de um emprego cada vez mais ousado da modulação . Mesmo assim, por mais intensa que seja, e por mais distante que seja o tom a que se modula, esse cromatismo se insere de forma orgânica no tecido composicional. O classicismo se mantinha moderado no uso das modulações, indo praticamente só a tons vizinhos e retornando rapidamente, logo depois da modulação, ao centro gravitacional da obra. Já no romantismo tardio, os encadeamentos de modulações não têm fim, vai-se passando como através de um caleidoscópio de tonalidades, sem que a composição dê tempo para que o ouvido se fixe em qualquer um deles. Em Richard Wagner encontra-se a expressão mais acabada desse emprego do cromatismo (ALBERTI DA ROSA, 2003, p. 31).
Nesse tipo de cromatismo que chega ao seu auge com Richard Wagner é utilizada a escala cromática, criando a possibilidade de usufruir de 12 notas diferentes e não de apenas algumas notas que determinariam todas as outras. Na ópera “Tristão e Isolda”, Wagner usa todas as 12 notas do espectro em determinados trechos da obra. Essa transformação do Romantismo tardio foi utilizada também por Schoenberg e Berg. A outra forma de cromatismo era o cromatismo inorgânico ou incidental que consiste em
uma outra possibilidade, para autores que não queriam abrir mão de um tonalismo bem centrado era introduzir notas alteradas em meio à obra, mas de forma não preparada. Em vez de preparar a alteração, como na organicidade empregada por Wagner, autores como Maurice Ravel passaram a alterar notas acidentais e de passagem . Esse tipo de artifício, principalmente se feito com insistência, também resultava num enfraquecimento da sensação do centro tonal (ALBERTI DA ROSA, 2003, p. 32).
Sem se distanciar do diatonismo que predominava no Romantismo, alguns autores buscavam outros meios para inovar a composição musical. Os acordes dissonantes dentro de uma música tonal são atenuados com um acorde consonante, mas a dissonância foi utilizada de outras formas para que se pudesse criar algo novo. Empregando-os de forma insistente ou inusitada, para tirar-lhes a tensão; não os resolvendo com um acorde dissonante, mas utilizando acordes dissonantes sucessivamente fazendo com que deixem de ter o significado de dissonância, como exemplo, as Nuages de Debussy.
É possível também que o compositor utilize dois ou mais tons simultaneamente na mesma música, recurso utilizado por compositores como Igor Stravinski e Bela Bartók. Também é freqüente o retorno a formas musicais arcaizantes como os modos medievais derivados dos modos gregos. Estes modos foram utilizados por Debussy, Stravinski e Bartók.
Todas essas experiências têm como conseqüência o esvaziamento das funções que as notas ocupam na escala. Tanto a tônica passa a ser difícil de ser identificada como pólo centralizador das relações de tensão e relaxamento, como as outras notas vão perdendo o direcionamento que antes as identificava e a obrigatoriedade de resolução das dissonâncias. A escala cromática, com suas funções, agora bastante diluídas, abre o caminho para a descoberta do dodecafonismo de Arnold Schoenberg (ALBERTI DA ROSA, 2003, p. 34).
A música não podia mais manter-se nas mesmas formas de composição que já vinha há tempos e que estavam saturadas. Schoenberg viveu em uma época de transição em que era necessário que houvesse alguma mudança senão a produção musical não teria mais onde buscar sua continuidade. Compositores muito importantes neste período já se atentavam para esta necessidade e buscavam inovar a forma de fazer música. O método criado por Schoenberg vai racionalizar esta transformação que clamava por acontecer. Além dos desafios da técnica musical, o momento histórico reverberava na sua composição, pois com o mundo ocidental sendo reconstruído após a Primeira Guerra Mundial, a idéia de passado estava relacionada com o terror da guerra. A Segunda Guerra vem para afirmar as conseqüências do desenvolvimento científico desmedido, a harmonia não faz sentido na realidade moderna e por mais que a tradição estivesse como uma referência para os músicos modernos, não era mais sua verdade.
Em suas primeiras composições, Schoenberg seguiria o caminho de outros compositores contemporâneos seus: explorar as possibilidades do classicismo. Porém a insuficiência desse estilo fez com que o compositor buscasse algo além daquela tradição. As composições posteriores a esse período foram consideradas um marco do expressionismo na música. Para tanto, foi preciso que Schoenberg criasse um método que desse conta da nova expressão musical que estava criando, para que o compositor não acabasse despercebidamente voltando à composição tradicional. O método criado por Schoenberg é o método dodecafônico. A principal crítica feita ao seu método é o intelectualismo – que Adorno rebate na Filosofia da Nova Música usando o argumento contra a naturalidade do sistema tonal usado anteriormente:
Argumenta-se como se o idioma tonal dos últimos trezentos e cinqüenta anos fosse “natureza” e como se fosse ir contra a natureza superar o que está bloqueado pelo tempo, sendo que o próprio fato de tal bloqueio é testemunha precisamente de uma pressão social. (ADORNO, 2009, p. 19).
Adorno, então, critica a tradição que enaltece a forma de composição tradicional como algo dado. Defende que os ouvidos podem muito bem se adaptar às mais complicadas formas de construções harmônicas e o fato de considerarem a música de Schoenberg menos compreensível do que a de Beethoven por não ter inspiração se baseia na negação de indivíduos reacionários que não reconhecem que vivem numa sociedade administrada. A música de Schoenberg incomoda, pois diz respeito ao próprio indivíduo. A dificuldade de compreensão do dodecafonismo também advém da falta de orientação dos ouvidos daquele tempo, a arte era em si sua negação.
O dodecafonismo de Schoenberg foi descrito por ele num ensaio chamado Composição com 12 sons, e consiste em 12 capítulos que dão conta de expor o método e quais as motivações que o compositor teve para criá-lo. Em seu conteúdo é possível entender um pouco mais da sua teoria de composição: Trata da potência criativa, e o compositor como homem possui a condição para pô-la em prática; abrange a compreensão de sua música, esperada não no presente, mas ao longo da história; aborda a necessidade que levou à criação do método: o esgotamento do classicismo; dá conta da necessidade do método como domínio da nova arte; explica o método de fato como utilização das 12 notas, sem que haja a repetição de uma nota na mesma série; adverte sobre a dificuldade de composição de seu método que não admite a livre criação; explica como se desenvolve a composição partindo-se da série inicial: existem algumas regras que devem ser seguidas como a Inversão, o Retrógrado, e a Inversão do Retrógrado; expõe que a fonte da composição tradicional era dada como inspiração e não conteúdo intelectual; mostra que as possibilidades derivadas das variações da série básica (Dó, Dó#, Ré, Ré#, Mi, Fa, Fa#, Sol, Sol#, Lá, Lá#, Si) são ilimitadas, possibilitando ao compositor expressar sua idéia mesmo seguindo as regras rigorosas do método; expressa a necessidade de unificação, dar coerência à composição. É possível compreender através dessa obra a justificação de seu método de composição no percurso histórico e na necessidade de unificação da composição.